História
Parte 1
Alguns meses antes
Sean fechou as cortinas, cortando a vista da sua vizinhança barulhenta. O único senão de morar naquela rua eram as donas de casa coscuvilheiras, que nada faziam o dia todo além de palrar umas com as outras.
Estava em muito mau estado, tinha noção disso. O seu rosto desfigurado e o sangue na sua roupa atraíam muita atenção. Mas desta vez também estava com uma mulher. Algo inédito. Não demoraria muito a ser o tópico principal dos rumores no bairro.
Olhou para ela. Os tremores e as lágrimas tinham finalmente acalmado mas ela continuava muito abalada. Sean perguntou-se o que poderia dizer para a consolar mas interrompeu-se de imediato ao relembrar a expressão dela quando o tentara anteriormente. Em vez disso, foi buscar a caixa de primeiros socorros. Podia ser “imortal” mas não tinha o poder da regeneração. Nenhum Espectro tinha. O que muita gente não sabia e que a sua espécie evitava desmentir. Quanto mais medo a população geral tivesse deles, mais facilmente poderiam viver em paz.
Parte 2
Ela ouviu a batida forte na porta. Levantou o olhar ligeiramente, olhando para o despertador. Quatro da manhã. Quem seria àquela hora? Levantou-se e saiu do quarto. A sua irmã mais nova e os seus pais também tinham acordado. Ela foi abrir a porta, seguida pelos três. Dois agentes da polícia viraram-se para a porta com uma folha de Procurado na mão. Era a sua fotografia que estava impressa. Os agentes olharam entre si. Ela limitou-se a levantar as mãos e virar-se de costas, deixando-os algemá-la. Não valia a pena resistir. Sabia perfeitamente quem a tinha denunciado. Só tinha pena de não se poder vingar.
Ouviu os seus pais gritar com os agentes. Quando a porta do carro fechou, olhou para a sua família. A sua irmã tinha uma expressão de confusão no rosto. Não admirava. A rapariga não sabia o que poderia acontecer caso Ela resistisse. Ao entregar-se, garantia a sobrevivência deles. Assim que o carro começou a afastar-se, deixou o monstro dominá-la.
Parte 3
Alguns meses antes
Perguntou-se por quanto tempo Ela conseguiria sobreviver. Não era fácil aceitar a morte de alguém próximo. Principalmente quando esse alguém era a nossa razão de viver. E descobrirmos que nos tinha traído, a dor podia ser insuportável. Mas não. Tivesse Ela descoberto mais cedo, teria deixado a organização por ele e aliado-se à causa do marido.
Sean suspirou. Ela provavelmente culpava-o ou à organização pelo que tinha acontecido. Se não tivesse recebido a ordem e Sean não tivesse sido apanhado em primeiro lugar, o marido dela estaria vivo e Ela seria humana, ainda. Sean seguiu-a com o olhar, ao pousar a mala que tinha preparado para quando precisasse de fugir. Ela tinha uma expressão vazia nos olhos. Se a deixasse assim, apanhá-la-iam facilmente. Seria levada para aquele… “lugar”.
- Vinga-te.
Foi a única coisa que lhe veio à cabeça.
Parte 4
Ela bateu à porta de Sean. Sabia que ele estaria ali. Ele estaria sempre à espera dela. Tinha-lhe prometido ajudá-la a vingar-se assim que estivesse preparada. Assim que Ela lhe viesse bater à porta. Mas algo estava errado. Ele não veio à porta. Não vinha qualquer som do interior. A casa estava vazia. O dia estava prestes a nascer e Ela não podia ficar ali à espera. Seria denunciada imediatamente assim que vissem as suas roupas queimadas. Perceberiam que era ela o Espectro que tinha fugido. Porém o que mais a preocupava era o facto de Sean não estar em casa. Onde é que ele estava?
Afastou-se da porta e começou a descer a rua. A pele queimada ardia em contacto com o ar. Mas não podia parar agora. Não quando estava a ser seguida por eles. O carro negro destacava-se no bairro colorido. Amadores.
Parte 5
Alguns meses antes
Ela levantou-se, fúria no seu olhar. Sean sorriu. Aquela era quem ele conhecia.
- E que tal adaptares-te primeiro ao teu novo “eu” e depois tentas matar este velho?
O seu rosto contorceu-se por um segundo e os seus olhos transformaram-se por uns momentos. Ela pareceu acalmar-se.
- Vingar-me não o trará de volta nem me tornará humana.
Sean sorriu. Como é que alguém conseguia pensar de forma tão clara logo após uma tragédia como aquela? A resposta era simples. Não conseguiam. A não ser os Monstros. Não-humanos como eles não sofriam como os humanos. Não sentiam esse tipo de dor mas tinham a capacidade de imitar o que o seu “eu” humano sentiria. Tal como aquela fúria que ela demonstrara. Ela não a sentia mas conseguiu imitá-la. O seu corpo sabia como reagir às emoções que precisava. Era um bom sinal. Ela adaptar-se-ia à vida com os humanos rapidamente.
Parte 6
Meteu-se por entre pequenas ruas e becos. Em breve, o sol brilharia sobre o horizonte e as ruas ficariam inundadas de humanos e Espectros. Não teria como escapar nessa altura. Tinha que se esconder o quanto antes deles e dos Amadores que a organização tinha enviado atrás de si. Conseguiu encontrar um buraco onde se enfiar. Odiava o cheiro dos esgotos mas naquele momento era o único sítio seguro. Conseguia ouvi-los correr pela calçada à sua procura. Reconheceu as vozes. Sorriu. Já os tinha encontrado antes. Uns dias depois da sua transformação, Sean tinha ajudado a escapar deles, usando-se como isco. Seria por isso que ele não estava em casa? Encolheu-se, agarrando os joelhos. Todo o seu corpo doía mas não havia dor física que fosse insuportável. Há meses que era assim. Suspirou, fechando os olhos e encostando a cabeça aos joelhos. Perguntou-se se as suas queimaduras a poderiam matar. A um monstro como ela.
Parte 7
Alguns meses antes
Sean olhou por cima do ombro para o grupo de três que a seguiam. Ser um monstro dava realmente jeito nestas alturas. Agarrou no telemóvel e ligou para ela.
- Entra no próximo beco. Sem perguntas.
Desligou, deixando-se cair no beco escuro. Assim que ela apareceu, puxou-a e escondeu-a junto dos cartões de um sem-abrigo qualquer que não estava ali naquela noite. Talvez por sorte sua. Pôs folhas de jornal em cima dela e um farrapo velho.
- Quando deixares de nos ouvir, força a entrada no prédio e sai pela porta da frente. Apanha um táxi. Usa o dinheiro que te dei.
Ele levantou-se e afastou-se. O grupo parou à entrada do beco. Ela ficou quieta. Pelo canto do olho, viu Sean saltar e o grupo correr para o apanhar, dois pelo chão e o outro pelas escadas de ferro. Nesse momento, teve o pressentimento de que nunca mais o veria.
Fim
Parte 1
Alguns meses antes
Sean fechou as cortinas, cortando a vista da sua vizinhança barulhenta. O único senão de morar naquela rua eram as donas de casa coscuvilheiras, que nada faziam o dia todo além de palrar umas com as outras.
Estava em muito mau estado, tinha noção disso. O seu rosto desfigurado e o sangue na sua roupa atraíam muita atenção. Mas desta vez também estava com uma mulher. Algo inédito. Não demoraria muito a ser o tópico principal dos rumores no bairro.
Olhou para ela. Os tremores e as lágrimas tinham finalmente acalmado mas ela continuava muito abalada. Sean perguntou-se o que poderia dizer para a consolar mas interrompeu-se de imediato ao relembrar a expressão dela quando o tentara anteriormente. Em vez disso, foi buscar a caixa de primeiros socorros. Podia ser “imortal” mas não tinha o poder da regeneração. Nenhum Espectro tinha. O que muita gente não sabia e que a sua espécie evitava desmentir. Quanto mais medo a população geral tivesse deles, mais facilmente poderiam viver em paz.
Parte 2
Ela ouviu a batida forte na porta. Levantou o olhar ligeiramente, olhando para o despertador. Quatro da manhã. Quem seria àquela hora? Levantou-se e saiu do quarto. A sua irmã mais nova e os seus pais também tinham acordado. Ela foi abrir a porta, seguida pelos três. Dois agentes da polícia viraram-se para a porta com uma folha de Procurado na mão. Era a sua fotografia que estava impressa. Os agentes olharam entre si. Ela limitou-se a levantar as mãos e virar-se de costas, deixando-os algemá-la. Não valia a pena resistir. Sabia perfeitamente quem a tinha denunciado. Só tinha pena de não se poder vingar.
Ouviu os seus pais gritar com os agentes. Quando a porta do carro fechou, olhou para a sua família. A sua irmã tinha uma expressão de confusão no rosto. Não admirava. A rapariga não sabia o que poderia acontecer caso Ela resistisse. Ao entregar-se, garantia a sobrevivência deles. Assim que o carro começou a afastar-se, deixou o monstro dominá-la.
Parte 3
Alguns meses antes
Perguntou-se por quanto tempo Ela conseguiria sobreviver. Não era fácil aceitar a morte de alguém próximo. Principalmente quando esse alguém era a nossa razão de viver. E descobrirmos que nos tinha traído, a dor podia ser insuportável. Mas não. Tivesse Ela descoberto mais cedo, teria deixado a organização por ele e aliado-se à causa do marido.
Sean suspirou. Ela provavelmente culpava-o ou à organização pelo que tinha acontecido. Se não tivesse recebido a ordem e Sean não tivesse sido apanhado em primeiro lugar, o marido dela estaria vivo e Ela seria humana, ainda. Sean seguiu-a com o olhar, ao pousar a mala que tinha preparado para quando precisasse de fugir. Ela tinha uma expressão vazia nos olhos. Se a deixasse assim, apanhá-la-iam facilmente. Seria levada para aquele… “lugar”.
- Vinga-te.
Foi a única coisa que lhe veio à cabeça.
Parte 4
Ela bateu à porta de Sean. Sabia que ele estaria ali. Ele estaria sempre à espera dela. Tinha-lhe prometido ajudá-la a vingar-se assim que estivesse preparada. Assim que Ela lhe viesse bater à porta. Mas algo estava errado. Ele não veio à porta. Não vinha qualquer som do interior. A casa estava vazia. O dia estava prestes a nascer e Ela não podia ficar ali à espera. Seria denunciada imediatamente assim que vissem as suas roupas queimadas. Perceberiam que era ela o Espectro que tinha fugido. Porém o que mais a preocupava era o facto de Sean não estar em casa. Onde é que ele estava?
Afastou-se da porta e começou a descer a rua. A pele queimada ardia em contacto com o ar. Mas não podia parar agora. Não quando estava a ser seguida por eles. O carro negro destacava-se no bairro colorido. Amadores.
Parte 5
Alguns meses antes
Ela levantou-se, fúria no seu olhar. Sean sorriu. Aquela era quem ele conhecia.
- E que tal adaptares-te primeiro ao teu novo “eu” e depois tentas matar este velho?
O seu rosto contorceu-se por um segundo e os seus olhos transformaram-se por uns momentos. Ela pareceu acalmar-se.
- Vingar-me não o trará de volta nem me tornará humana.
Sean sorriu. Como é que alguém conseguia pensar de forma tão clara logo após uma tragédia como aquela? A resposta era simples. Não conseguiam. A não ser os Monstros. Não-humanos como eles não sofriam como os humanos. Não sentiam esse tipo de dor mas tinham a capacidade de imitar o que o seu “eu” humano sentiria. Tal como aquela fúria que ela demonstrara. Ela não a sentia mas conseguiu imitá-la. O seu corpo sabia como reagir às emoções que precisava. Era um bom sinal. Ela adaptar-se-ia à vida com os humanos rapidamente.
Parte 6
Meteu-se por entre pequenas ruas e becos. Em breve, o sol brilharia sobre o horizonte e as ruas ficariam inundadas de humanos e Espectros. Não teria como escapar nessa altura. Tinha que se esconder o quanto antes deles e dos Amadores que a organização tinha enviado atrás de si. Conseguiu encontrar um buraco onde se enfiar. Odiava o cheiro dos esgotos mas naquele momento era o único sítio seguro. Conseguia ouvi-los correr pela calçada à sua procura. Reconheceu as vozes. Sorriu. Já os tinha encontrado antes. Uns dias depois da sua transformação, Sean tinha ajudado a escapar deles, usando-se como isco. Seria por isso que ele não estava em casa? Encolheu-se, agarrando os joelhos. Todo o seu corpo doía mas não havia dor física que fosse insuportável. Há meses que era assim. Suspirou, fechando os olhos e encostando a cabeça aos joelhos. Perguntou-se se as suas queimaduras a poderiam matar. A um monstro como ela.
Parte 7
Alguns meses antes
Sean olhou por cima do ombro para o grupo de três que a seguiam. Ser um monstro dava realmente jeito nestas alturas. Agarrou no telemóvel e ligou para ela.
- Entra no próximo beco. Sem perguntas.
Desligou, deixando-se cair no beco escuro. Assim que ela apareceu, puxou-a e escondeu-a junto dos cartões de um sem-abrigo qualquer que não estava ali naquela noite. Talvez por sorte sua. Pôs folhas de jornal em cima dela e um farrapo velho.
- Quando deixares de nos ouvir, força a entrada no prédio e sai pela porta da frente. Apanha um táxi. Usa o dinheiro que te dei.
Ele levantou-se e afastou-se. O grupo parou à entrada do beco. Ela ficou quieta. Pelo canto do olho, viu Sean saltar e o grupo correr para o apanhar, dois pelo chão e o outro pelas escadas de ferro. Nesse momento, teve o pressentimento de que nunca mais o veria.
Fim