Sinopse
Ashley nunca imaginou que as suas férias no Rio de Janeiro seriam interrompidas tão abruptamente. Agora, não só luta pela sobrevivência como também tem de o fazer num mundo que mais lhe parece fictício com a ajuda de seus novos amigos. Segue Ashley neste pequeno momento da sua vida depois do mundo se desmoronar, literalmente.
Total de palavras: 1051.
Desafio
Ashley olhou em volta. O dia estava escuro, as cinzas caindo do céu como neve cobrindo o chão com uma camada espessa e dificultando a viagem. Ashley sentia os pulmões arderem com o esforço e os pés enterrarem-se. Os edifícios em ruínas estavam escuros, dentro e fora, e os candeeiros na rua apagados. Contudo a rapariga e o seu grupo sabiam que não podiam usar as lanternas por mais dificuldade tivessem em ver à sua volta. Pelo menos, não enquanto não estivessem a salvo no novo esconderijo que dois dos membros do grupo se esforçaram para tornar seguro essa manhã. Eram sete ao todo, um grupo grande apesar das circunstâncias e tinham conseguido sobreviver juntos durante os últimos três meses.
Ashley deixou o último ano de memórias distraí-la. Uma guerra mundial, uma pandemia, uma ameaça nuclear que nunca avançou por causa dos monstros. Havia quem lhes chamasse demónios, mortos-vivos, zombies. Porém Ashley sabia que eles não eram os únicos. O seu olhar fixou-se nas costas do líder do grupo. Anderson Júnior parecia um homem de meia idade nos seus quarenta e muitos por fora mas ela sabia a verdade. Todos os sete sabiam. Por baixo da máscara humana, estava um sátiro, como na mitologia grega e, ao mesmo tempo, sem nada em comum com o da mitologia. Ele não era uma divindade mas uma mortal criatura da noite. Simplesmente, era um dos menos perigosos para os humanos. Além de que a sua esposa, grávida e humana, estava entre os sete sobreviventes.
Um guincho estridente e o estilhaçar de vidros fizeram-se ouvir. O grupo parou. Durante o que pareceu uma eternidade, ninguém se mexeu. Ashley nem se apercebera que tinha sustido a respiração. Não, até ver os monstros. O cheiro a podridão encheu o ar. Anderson recuou lentamente, sussurrando sem tirar os olhos dos mortos-vivos.
- Eles estão no caminho para o abrigo. Leve Cleide consigo e mantenha-a a salvo. Eu seguirei mais tarde.
Ashley olhou para a mulher grávida. Assentiu com a cabeça, não confiando na sua voz para responder. Lentamente, começou a aproximar-se da morena. Com uma barriga de oito meses, Cleide estava extremamente inchada e, certamente, mais cansada que Ashley. Como conseguiriam fugir?
A rapariga agarrou a mão da grávida e as duas afastaram-se em direção uma rua estreita perpendicular àquela. Assim que estivessem rodeadas pelas paredes esburacadas pela guerra, começariam a correr em direção ao esconderijo. Felizmente, Anderson partilhava sempre as localizações quando mudavam de abrigo antes de iniciarem as viagens de mudança para casos de emergência como este. Assim mesmo que se separassem conseguiram encontrar-se novamente. Não era a primeira vez que acontecia.
Ashley lembrava-se perfeitamente da localização e das direções pois tinha sido um dos primeiros lugares que visitara quando chegara ao Rio de Janeiro. Adorara ver o Cristo Redentor da janela do seu quarto no hotel. Isto apenas uns dias antes da Terceira Guerra Mundial se tornar uma ameaça real. Apartir daí, as fronteiras encerraram e a rapariga não pudera regressar a casa. Felizmente, foi nessa altura que conhecera Anderson e Cleide. Eles ensinaram-lhe Português e partilharam a sua casa e comida com ela. Ashley estava-lhes eternamente grata e convencida que sem eles já não estaria ali. Faria de tudo para retribuir o favor.
Sons de luta fizeram-se ouvir. Cleide estava ofegante e Ashley tinha a certeza que em breve teriam de parar de vez, arriscando um ataque pelos monstros. A rapariga arrepiou-se ao lembrar os que tinha visto apenas momentos antes. A pele macilenta, caindo aos bocados; as roupas rasgadas, revelando ferimentos mortais para uma pessoa normal; sangue seco, restos da sua morte e transformação ou das suas vítimas.
Ashley parou no fundo da ruela. Em frente uma das ruas principais estava repleta de cinzas, carros abandonados e mais ruínas. Alguns monstros vagueavam entre os carros. Se fossem silenciosas, poderiam passar indetectadas. Talvez os outros já estivessem no abrigo, tendo seguido por um caminho mais direto e despistado os monstros rapidamente. Não era difícil. Assim que perdiam a presa de vista e deixavam de a ouvir, esqueciam o que estavam a caçar e paravam onde estavam. Os caçadores mais inúteis a nível de inteligência. Contudo, o que faltava nesse departamento era compensado pela resistência física. Não sentiam dor, cansaço ou medo. Apenas desejo assassino na presença da sua presa.
- Ash, não aguento mais. Não consigo dar nem mais um passo.
Cleide estava dobrada contra a parede, a respiração irregular e arfante. As duas não conseguiriam passar despercebidas pelos monstros com a mulher naquele estado. Ashley olhou em volta.
- Esconde aqui. Vou ver outros em abrigo. - Disse Ashley no seu português quebrado.
Tapou Cleide com um tapete velho e sujo. Saiu para a avenida, agachando-se entre os carros. Se fosse rápida, talvez conseguisse voltar antes de Cleide ser encontrada pelos mortos-vivos. Ashley tentou percorrer as centenas de metros que faltavam rapidamente. No entanto, havia um limite para aquilo que conseguia fazer sendo apenas mais uma humana, uma pessoa normal. Estava quase a passar o hotel onde tinha ficado quando chegara à cidade quando ouviu um grito. O pânico instalou-se no seu peito ao ver os monstros passar por si em direção de Cleide.
- No, no, no.
Ashley deu meia volta e correu em direção à brasileira grávida, sem se preocupar em esconder atrás dos carros. Parou a poucos metros da carnificina. Cleide olhou para a rapariga, o medo e a dor dominando o seu rosto. Lágrimas correram pelo rosto moreno e gritos escaparam dos seus lábios.
- Foge! Corre daqui! Vai!
Ashley hesitou por um segundo. Mesmo quando ela a abandonara naquela ruela para ir para o abrigo, Cleide tentava salvá-la. Com lágrimas nos olhos, Ashley correu com os gritos da brasileira atraindo todos os monstros na zona. Antes de chegar ao abrigo, parou. Encostada à parede, lutou para controlar as lágrimas e a sua respiração. Tinha que ser forte. Por Cleide. Por Anderson. Só mais um mês e o sátiro teria conhecido o seu bebé. Agora, por sua causa, eles nunca se conheceriam. Levantando os olhos, viu uma sombra passar na janela do novo abrigo. Ashley inspirou fundo e aproximou-se da porta. De certeza que os gritos tinham chegado ali. A questão era, o que faria Anderson quando soubesse que ela abandonara a sua esposa e seu bebé numa ruela suja debaixo de um tapete nojento?
Fim